O art. 267.º do TFUE atribui aos órgãos jurisdicionais nacionais a faculdade — e em certos casos, impõe-lhes a obrigação — de submeter ao Tribunal de Justiça as questões de interpretação ou de validade de disposições normativas europeias que considerem necessárias para a resolução do litígio neles pendente. O reenvio prejudicial representa, dentro do sistema jurisdicional da União Europeia, o mecanismo processual vocacionado ao diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, por meio do qual ambos são chamados a cooperar na elaboração de uma decisão destinada a assegurar a interpretação e aplicação uniformes do Direito da União no conjunto dos Estados-Membros — e assim garantir a igualdade jurídica dos cidadãos europeus.
Resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que na falta de normas processuais europeias, compete aos ordenamentos jurídicos nacionais designar os órgãos judiciais competentes e regular as vias de recurso destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos decorrentes da ordem jurídica europeia. Importa, portanto, questionar se seria admissível a interposição de recurso do despacho de reenvio, ou até que ponto essa possibilidade seria compatível com o Direito da União, ou ainda se o sistema de recursos nacional pode limitar a faculdade de os juízes de instância socorrerem-se do reenvio. A questão do recurso do despacho de reenvio prejudicial, debatida na jurisprudência do Tribunal de Justiça desde a década de 1960, foi recentemente suscitada na sequência de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Tendo por base este caso de estudo, o presente texto pretende equacionar o problema da admissibilidade desses recursos à luz do Direito da União Europeia e, em particular, à luz da mais recente jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente desde o acórdão Cartesio de 2008.